quinta-feira, 3 de junho de 2010

Direção: Karin Ainouz e Marcelo Gomes


Avaliar o percurso de um possível canal que atravessará todo o sertão nordestino. Este é o objetivo do geólogo José Renato (Irandhir Santos), que junto com o percurso do canal descobre coisas sobre seu país e sobre si mesmo que ele nem mesmo imaginava, ou talvez nem sequer se atrevia a pensar.


Entusiasticamente um retrato imperfeito do sertão nordestino. O filme se desenvolve em forma de documentário mas o percebemos mais como um diário de bordo de José Renato. "Viajo porque preciso, volto porque te amo" quebra o paradigma cinematográfico do  herói e seu rosto ao simplesmente, em nenhum momento, mostrar o rosto do protagonista, que apenas reconhecemos através de sua narração dos lugares por onde passa, das pessoas que conhece e dos seus devaneios sobre sua vida, sua viagem e seu amor perdido.

O filme é ilustrado de imagens do sertão nordestino e coberto com uma trilha sonora recheada de músicas românticas bregas. Cena após cena somos introduzidos a personagens reais, pessoas do sertão que se apresentam ingênuas e convidativas, abrindo o livro de suas vidas a José, que por sua vez faz a ponte entre aqueles que mesmo tão perto estão tão longe, e assim vamos conhecendo aquelas singulares pessoas, que apesar de tudo, são felizes, e é aí que nós mesmos somos questionados sobre nossas felicidades e anseios. Mas nem só de pessoas é feita a viagem (insólita) de nosso protagonista, solitário é o sertão que ele contempla e estuda, solitário... assim como ele, assim como ele tem sido após o término de seu casamento. E no fim das contas ele é humano e se dá ao direito de imaginar... de fechar os olhos e mentir a si mesmo e fingir, se enganar, e sonhar que nada acabou, que quando ele voltar lá estará sua amada o esperando ao fim da viagem, mas aos poucos ele se dá conta de que não, e então conhecemos uma nova face de José, algo mais verdadeiro e que muitos reconhecerão.

Apenas mais um humano, como eu e você, este é nosso herói de "Viajo porque preciso, volto porque te amo". Afogando suas mágoas nas mais banais ações e sempre insatisfeito, insatisfeito com seu emprego, com seu dia-a-dia e com sua vida, assim como nós. 

*****

Inegável e desnecessário dizer que adorei o filme. Cansativo em algumas partes mas acima de tudo uma gota de esperança, um vislumbre do que pode se tornar o cinema nacional com boas ideias e pessoas competentes. Fotografias magníficas e um roteiro ótimo, apesar do desafio de contar uma história, apresentar um protagonista e fazer-nos entendê-lo sem nem ao menos vê-lo.


Sem sombras de dúvidas um dos filmes menos comerciais dos últimos tempos, culpa de sua experimentalidade? Certamente... E por isso o filme é tão bom, ao se desconectar do mundo e dos padrões do comercial ele pode abrir suas asas e voar livremente, seus realizadores podem fazer dele tudo que pensam  sem se preocupar com faixa etária, público alvo e alcance do filme (ainda bem).

Dia após dia me pego pensando no filme, em como quanto foi dito através de fotografias, como quanto pode ser expresso através de frases perdidas em meio a monólogos que, se parecem intermináveis, quando acabam nos provocam aquele sentimento tão comum que se assemelha com a saudade. E aquela cena final do filme? Não acho que seja preciso dizer algo mais, vamos todos brindar a vida e enfim mergulhar nela, de cabeça e sem medo.

Bato palmas para a produção, para os diretores e à todos que conseguiram fazer deste filme uma realidade, uma bela realidade de 75 minutos.

Até mais.

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